segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Os desafios da indústria eólica

A imagem de “cataventos” gigantes no horizonte enche os olhos de quem pega a estrada em direção a Rio do Fogo, município potiguar a 81Km da capital. São geradores de energia, movidos pelo vento, que também fazem girar as esperanças em torno de uma nova indústria, de pelo menos 30 mil novos empregos e de R$ 9 bilhões em investimentos para o estado, até 2013. Há lições de casa a fazer, no entanto, para viabilizar os projetos desenhados para alavancar esses números e o Rio Grande do Norte está atrasado em relação a algumas delas. Engenheiros, investidores e gestores privados enumeram que desafios são esses, dão dicas de como vencê-los e alertam que em parte deles os vizinhos cearenses, que, junto com o RN, deverão morder a maior fatia do bolo de investimentos prometido com as eólicas no país, já estão na frente.
O Rio Grande do Norte e o Ceará oferecem ventos com velocidade e constância e deverão se beneficiar como nenhum outro estado com a expansão do setor que usa essa “matéria-prima” para gerar energia. Os projetos de geração vêm ganhando corpo principalmente a partir dos leilões federais realizados em 2009 e neste ano. Os leilões asseguraram a celebração de contratos de fornecimento de longo prazo, uma garantia que deverá ajudar a tirar do papel centenas de projetos.

Só no RN, cerca de 70 novos parques serão implantados, com potência instalada somada de 1.721,6 Megawatts (MW), o que significa 25 vezes mais o que há atualmente em operação. De lanterninha, no ranking dos quatro principais produtores do país, o estado deverá assumir a primeira posição. Para aproveitar os ventos favoráveis, terá, no entanto, que agir. A seguir, as propostas.

1 - Desatar um nó chamado infraestrutura

A possibilidade de atração de fábricas para dar vazão ao crescimento do setor de energia eólica no país é enorme, diz o ex-secretário de Energia do Rio Grande do Norte e diretor do Centro de Estratégias em Recursos Naturais e Energia (Cerne), Jean-Paul Prates. “O momento é favorável à disputa por esses investimentos, agora, a probabilidade de o RN disputar em igualdade de condições com outros estados, por enquanto, é remota”. O principal nó que o estado tem que desatar é o da infraestrutura. Há problemas de logística, ou seja, para receber, transportar e entregar os produtos que serão usados para montar os parques.

“O porto (de Natal) não atende à necessidade de manobra de peças maiores”, observa o diretor executivo da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica), Pedro Perrelli. O próximo governo tem como desafio nesse ponto encontrar uma solução portuária, que poderia ser a construção de um terminal oceânico com capacidade para escoar produtos como minérios e também para receber componentes de grande porte. Adaptar o transporte terrestre também será importante nesse processo. “As estradas não têm acostamentos, não têm curvas para um caminhão de 60 metros e ter coisas desse tipo ajuda a atrair a indústria porque ela vê que a infraestrutura básica já existe”, diz Perrelli.

Estimativas do Cerne apontam que pelo menos 16 mil carretas circularão no estado, entre 2011 e 2013, transportando equipamentos como torres, pás e turbinas, equipamentos básicos para a implantação dos parques. Os riscos de congestionamentos não são remotos. “É preciso fazer um corredor logístico. É preciso melhorar o acesso aos projetos”, diz o presidente do Comitê Temático de Energias Renováveis e Meio Ambiente da Federação das Indústrias do Rio Grande do Norte (Fiern), Sérgio Azevedo. A necessidade de criação desse corredor, com infraestrutura que permita que os equipamentos cheguem sem barreiras aos locais de destino é urgente, acrescenta Prates. “O Cerne está tomando a iniciativa de chamar transportadoras e empresas empreendedoras para mapear o corredor de passagem para essas máquinas, porque se não cada um cria sua solução e isso inviabiliza o processo”. Governo, prefeituraa e companhias como a Cosern (distribuidora de energia) e a Codern (administradora do porto de Natal) terão de montar uma força tarefa para implementar o projeto.

2 - Assegurar mercado e as regras do jogo

Para que investimentos na área de energia eólica sejam viabilizados não só no Rio Grande do Norte, mas no Brasil, é consenso entre os especialistas e players do setor que é preciso ter um calendário definido de leilões para assegurar aos investidores que haverá demanda. Alguns fatores acabam sendo empecilhos nesse sentido. O projeto de lei 630, que tramita no Congresso Nacional é um deles. Pelo projeto, o governo federal estaria obrigado a comprar 400 MW de energia eólica por ano, mas o número está defasado, de acordo com Sérgio Azevedo, da Fiern. “Isso desestimula o investidor. Ele fica inseguro sobre as regras do jogo Não existe, hoje, uma política definida de aquisição de energia. Não se pode fazer leilões esporádicos. É preciso ter um calendário e dizer quantos megas de eólica vai se comprar”, diz ele.

De acordo com Azevedo, a lei foi criada para incentivar o setor, mas é genérica, não é específica para eólica. “A bancada do estado e o governo podem ajudar se mobilizando para que não seja aprovada e para apresentar um projeto de lei que atenda aos anseios da cadeia produtiva”, sugere. Ele também diz que é preciso recriar a Secretaria Estadual de Energia, que foi extinta este ano, se mobilizar para que sejam implantadas linhas de transmissão para que a energia chegue ao consumidor. A malha de distribuição existente é considerada deficitária. A consequência disso é que os investidores pagam mais caro para “transportar” a energia que produzem. Com melhorias nesse sentido, os custos de transmissão seriam menores e os projetos do estado ficariam mais competitivos. Pedro Perrelli ressalta que o estado também precisa mapear o potencial eólico e acelerar o zoneamento que vai indicar aos investidores quais são as áreas passíveis de receber projetos e onde se encontram as maiores oportunidades para gerar energia a partir do vento. (leia mais abaixo no fim da matéria)

3 - Desenvolver a cadeia produtiva do setor

A Fiern tem sido sistematicamente procurada por investidores interessados no potencial eólico do estado. Nomes como GE, Vestas e Sawe têm sondado o mercado, interessadas em implantar fábricas para abastecer os parques. A Wobben já projeta para o primeiro trimestre de 2011 a operação da primeira unidade em território potiguar. Mas, para atrair de forma concreta outros empreendedores, o governo terá de se mexer para montar toda uma cadeia produtiva. “É preciso trazer junto com as indústrias seus fornecedores”, ressalta, Sérgio Azevedo. “O interesse pelo estado existe, mas é preciso dar condição para que os negócios sejam viáveis”, acrescenta ainda.

“Não adianta trazer uma fábrica se o transformador que ela usa vem do Rio Grande do Sul, se ela vai ficar importando produtos de caminhão, pagando frete. É preciso formar pólos industriais no Rio Grande do Norte para atrair fabricantes, mas também os fornecedores dos componentes para turbinas, aerogeradores...”, complementa o diretor geral do Cerne, Jean-Paul Prates. Essa e outras necessidades deverão ser levantadas em um relatório que o Centro pretende entregar, até o próximo mês, a governadora eleita no estado, Rosalba Ciarlini. O documento sugere a criação de dois ou três pólos industriais. No Ceará, os esforços para desenvolver as empresas da cadeia produtiva já começaram. No momento em que a indústria define os subprodutos que vai precisar, o Estado entra em ação, diz Fernando Pessoa, da Adece. A ideia é adequar as empresas de forma que tenham acesso direto às indústrias.

4 - Criar incentivos para atrair indústrias

O Ceará, atualmente maior produtor nacional de energia eólica, tem colocado em prática uma série de incentivos e atraído indústrias do segmento. O estado já tem em operação a Wobben, primeira fabricante brasileira de aerogeradores de grande porte, e a Tecnomaq, fabricante cearense de torres metálicas. Com protocolos de intenção assinados estão a Vestas, que pretende implantar uma ilha de montagem de aerogeradores, a Fuhrländer, que quer montar uma fábrica de turbinas, e a Suzlon, que dará início a um complexo com a fabricação de pás. Juntas, as empresas deverão desembolsar algo em torno de R$ 50 milhões e gerar 600 empregos diretos, diz o diretor da Agência de Desenvolvimento do Ceará (Adece), Fernando Pessoa. Outras negociações com investidores estão em curso. “Entramos em campo com o Proeólica (incentivo que concede isenção de 75% de ICMS para as indústrias do setor, sem que seja necessário para elas atingir pontuações para receber o incentivo, ao contrário do que ocorre em outras áreas), levamos água e energia até a porta da indústria e, analisando caso a caso, podemos entrar com a parte de terraplanagem dos terrenos”, enumera. “Além disso, nos preocupamos com a logística das empresas, trabalhando a parte de acessos rodoviários e do porto”.

O RN também tem incentivos, mas precisa ser mais agressivo, diz Sérgio Azevedo, da Fiern. De acordo com o coordenador de Tributação, da Secretaria de Tributação do RN, Américo Nobre de Mariz Maia, o estado concede isenção de ICMS para aquisição de equipamentos necessários à implantação dos parques e indústrias do setor podem ser enquadradas no Proadi, o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Industrial do estado, que concede incentivos econômicos equivalentes a até 75% do valor do ICMS mensal para as empresas instaladas em Distritos Industriais ou no interior do estado e, que para as que estão instaladas em Natal ou na Grande Natal, limita o incentivo em até 60%, exceto para investimentos superiores a R$ 20 milhões. Só que, nesse caso, as empresas são pontuadas para receber o benefício. Para conseguir os 75% de desconto a empresa tem que estar instalada no interior ou nas áreas industriais.

5 - Formar mão-de-obra para obras e pós obras

A energia eólica ajuda a poupar o meio ambiente de gases poluentes. É uma energia considerada limpa. E, na medida em que ganha espaço, ajuda também a mover a economia. Só na União Europeia, que concentra alguns dos principais produtores desse tipo de energia, o número de empregos diretos na área mais que dobrou entre 2002 e 2007, passando de 48.463 para 108.600, de acordo com o estudo Wind at Work: Wind energy and job creation in the EU, publicado pela Associação Européia de Energia Eólica em 2009. O mesmo estudo mostra que o setor está enfrentando uma séria escassez de candidatos a preencher as vagas existentes e as que irão surgir nos próximos anos. “Isso é verdade particularmente para as posições que exigem mais anos de estudo e experiência, como são os casos de engenheiros e técnicos em operação e manutenção”, aponta.

A formação de mão de obra para atender a indústria deve ser uma preocupação também no Rio Grande do Norte. Estimativas do Cerne apontam que as obras de construção de parques que se desenvolverão no estado poderão gerar até 30 mil empregos diretos e indiretos. De olho na demanda, o Centro de Educação e Tecnologias do Gás & Energias Renováveis (CTGÁS-ER) procurou os investidores para saber que perfis de profissionais estão procurando. Com base no que ouviu, o Centro abriu, em parceria com o Senai e a UFRN, o curso de Especialização em Energia Eólica Lato Sensu, tendo como público-alvo profissionais da área de engenharia. “Outros cursos deverão ser criados para atender a demanda dos empresários, mas a formação de mão de obra ainda é um desafio. A quantidade que está sendo formada é muito inferior ao que será demandado nos próximos dois, três anos”, diz Sérgio Azevedo, da Fiern.

No Ceará, o governo do estado entrou em campo para acelerar a capacitação. De acordo com o diretor da Adece, a indústria leva a demanda ao governo e os cursos tecnológicos do estado são adaptados para fazer o treinamento. “O estado custeia a capacitação de mão de obra por seis meses”, diz ele.

Mercado, incentivos e infraestrutura

A Wobben possui uma unidade fabril em Sorocaba (SP) desde 1995, inaugurou em 2002 outra unidade no Complexo Portuário e Industrial do Pecém (CE) e planeja sua primeira incursão no Rio Grande do Norte: a instalação de uma fábrica de torres de concreto para atender a demanda de cerca de 300 MW já contratados para usinas eólicas que serão erguidas no estado.

A capacidade da fábrica será para atender com as torres os primeiros 292 MW contratados. A unidade deverá entrar em operação no primeiro trimestre de 2011 e contratar cerca de 150 trabalhadores, de acordo com estimativas da empresa. “Ao definir uma instalação, a companhia analisa principalmente o mercado atual e o potencial daquela região”, diz o gerente geral da Wobben Enercon Brasil, Fernando Scapol.

E o Rio Grande do Norte, diz ele, tem um dos maiores potenciais eólicos do Brasil. Mas só isso não é suficiente. De acordo com o executivo, a necessidade de um programa do governo (federal) que contemple a instalação de 2000 MW/ano no país pelos próximos 10 anos é o maior desafio para o desenvolvimento da indústria eólica nacionalmente. Isso, porque dá às indústrias perspectivas de mercado para atender. “Além disso, é fundamental a desoneração de impostos de toda a cadeia produtiva da energia eólica e investimentos dos governos federal e estaduais em rodovias, portos e linhas de transmissão”, completa. Em todos esses desafios, seja com investimentos diretos ou com mobilização política, a participação do estado será fundamental.

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