domingo, 27 de junho de 2010

Mulheres são as ‘donas’ das algas de Rio do Fogo

DO JORNAL TRIBUNA DO NORTE: http://tribunadonorte.com.br/noticia/mulheres-sao-as-donas-das-algas-de-rio-do-fogo/152548

As mulheres vestidas de azul estão acostumadas com as piadas e os deboches. Ser pioneiro não é fácil em lugar algum. Numa cidade de pouco mais de 10 mil habitantes, questionar o sentido de uma atividade perpetuada através das décadas por pais e avós, é algo reservado somente para os fortes. Mesmo assim, as mulheres avançam. Após mais de 40 anos sobrevivendo da extração e coleta de algas marinhas na praia de Rio do Fogo, 12 marisqueiras aceitaram o desafio de passar a cultivar as algas no mar e, apesar das dificuldades com o pouco de incentivo e estrutura, além do retorno financeiro mínimo, elas esperam um dia viabilizar a nova atividade como fonte fixa de renda para a comunidade.
A possibilidade de desenvolver e melhorar a vida das comunidades costeiras, além de criar novas possibilidades de fazer dinheiro através de tecnologias sociais, são alguns dos assuntos a serem discutidos durante a 65a. Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, a ser realizada de 25 a 30 de julho, em Natal. Este ano o tema principal do maior encontro científico do país é o desenvolvimento das ciências do mar. O caso das marisqueiras de Rio do Fogo cai como uma luva na temática escolhida.
Há cinco anos, um grupo de técnicos da então Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca, em conjunto com professores da UFRN, implantaram na comunidade de Rio do Fogo o cultivo de algas marinhas a fim de dar uma alternativa para a geração de renda daquelas pessoas. Após tanto tempo, o projeto sobrevive muito mais a partir da determinação das mulheres do local do que por conta de um êxito econômico. O trabalho muito e o dinheiro pouco, além da estranheza que qualquer novidade traz, foi suficiente para despertar a repulsa de pescadores mais conservadores. Contudo, as mulheres não desistem.

As algas marinhas, do gênero Gracilaria, são coletadas da beira da praia e extraídas dos “bancos de algas” no litoral potiguar desde o fim dos anos 60. Na Paraíba e em Pernambuco a extração também é comum. O município de Rio do Fogo tem um dos mais significativos estoques dessa alga no Estado. Popularmente conhecida como “cisco”, a alga tem variadas formas de utilização. Indústria cosmética, farmacêutica, de laticínios, entre outras, utilizam largamente o produto. Os catadores de cisco negociam a R$ 0,50 o saco com atravessadores de outros Estados, como Ceará e Pernambuco. Além de ser um trabalho penoso e pouco rentável, a extração de cisco é feita de forma desordenada, causando danos ao meio ambiente. Em outras palavras, não se trata de uma atividade sustentável e, em algum tempo, a alga pode desaparecer das praias.

A professora Eliane Marinho percebeu as deficiências da coleta e extração do “cisco” e implantou em 2001 um projeto-piloto para verificar a viabilidade econômica do cultivo na mesma comunidade do Rio do Fogo. A proposta deu certo e alguns anos depois o projeto foi concretizado, dentro do Programa de Desenvolvimento de Comunidades Costeiras, da antiga Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca, hoje promovida a Ministério. As oficinas realizadas pelo Governo Federal atraíram a atenção das “marisqueiras” de Rio do Fogo. Não é de se estranhar, afinal tradicionalmente são as filhas e mulheres de pescadores que trabalham com o “cisco”.
A promessa de prosperidade ganhou a adesão de mais de 30 mulheres, quando o projeto foi iniciado, em 2005. Quatro anos depois, permanecem somente 12 daquelas pioneiras. Mesmo trabalhando de sol a sol, elas não conseguem uma renda fixa para manter a casa. A coleta de “cisco” continua, até mesmo entre as 12 participantes da Associação de Marisqueiras que tocam o projeto. Com uma diferença: o que antes rendia R$ 0,50 por saco, hoje é vendido por apenas R$ 0,30. A adesão do restante da comunidade continua difícil.

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