ENTREVISTA AO JORNAL ZONA SUL
ZONA SUL – Como é seu nome completo?
HÉLIO – Hélio Câmara de Castro. Nasci em Rio do Fogo. Na época pertencia ao município de Touros, depois veio para Barra de Maxaranguape. Hoje Rio do Fogo é dos mais jovens e prósperos municípios do Rio Grande do Norte. Saí de lá com apenas um ano de idade, vim morar em Parnamirim, a cidade “Trampolim da Vitória”. Cheguei em 1941, época da guerra. Nasci em Rio do Fogo, mas minha infância, adolescência, juventude e começo de fase adulta, passei toda ela em Parnamirim.
ZONA SUL – Algumas vezes você volta a Rio do Fogo para manter ligações com a cidade natal?
HÉLIO – Pouquíssimas vezes. Parnamirim é hoje a minha terra. Vou a Rio do Fogo mais por curiosidade. Estive lá há mais ou menos um ano. Notei que houve um certo progresso, uma evolução. Comecei os estudos no Grupo Escolar Presidente Roosevelt, construído pelo então governador Silvio Piza Pedrosa. De lá fui para o Atheneu Norte-Rio-Grandense. Estudava em Natal e morava em Parnamirim. Morei 29 anos ininterruptos em Parnamirim.
ZONA SUL – Não era complicado morar em Parnamirim e estudar em Natal?
HÉLIO – A Base Aérea de Natal fornecia um transporte. Quando o serviço era interrompido, vínhamos nos ônibus da linha que ligava Parnamirim a Natal.
ZONA SUL – Como foi sua infância em Parnamirim?
HÉLIO – Gostosíssima. O que eu mais gostava era do futebol. Estudante ainda, joguei inscrito na Federação pelo Potiguar de Parnamirim. Eu era quarto-zagueiro naquele famoso 4-2-4. Joguei ao lado de Veter, de Hugo, um dos maiores volantes que eu já vi... Fundamos o Clube Paroquial, que pertencia à Igreja. O padre de Parnamirim, na época, era João Correia de Aquino. Ele também era capelão da Base Aérea de Natal. O encontrei há uns três anos, em Natal, com 80 e tantos anos. Estava magrinho. Era uma figura muito simpática. Criamos - eu, José Fernandes de Oliveira, que hoje é advogado, e Ladinho, um rapaz que era militar da Aeronáutica e economista em Brasília - o Clube Paroquial e também a Liga Esportiva Municipal de Parnamirim (Lemp). Parece que foi a terceira liga do Rio Grande do Norte. Depois nos filiamos à primeira divisão de profissionais, com o Potiguar. Antes do Potiguar o Asa, um time de militares da Base Aérea, militou na primeira divisão. Foram os anos dos primeiros passos para o profissionalismo.
ZONA SUL – Você era um quarto-zagueiro clássico, tratava a bola com categoria, ou era aquele beque de fazenda que dava chutão pra todo lado e arrepiava as canelas dos atacantes adversários?
HÉLIO – Nunca fui um excepcional jogador, mas, vamos dizer assim, apenas um zagueiro de porte médio, jogando um feijão com arroz. Apenas marcava, não tinha aquela história de atacar. Hoje é diferente. Os zagueiros imitaram Luís Pereira, que era da Sociedade Esportiva Palmeiras, foi do Atlético de Madri da Espanha e da Seleção Brasileira de 1974, na Alemanha. Desde garoto eu acompanho futebol, apesar das dificuldades daquela época. Ouvia a Rádio Nacional, do Rio, mas a onda vinha e fugia. Você estava ouvindo o jogo, o som sumia, para voltar um minutinho depois. Com a chegada da Embratel, melhorou. Hoje é tranqüilo, não tem problema nenhum.
ZONA SUL – A transmissão da Rádio Nacional a qual você se referiu que o som sumia, ela era feita através de ondas curtas?
HÉLIO – Exatamente. Acompanhei muito o futebol carioca, sou vascaíno, mas vascaíno mesmo! Lembro do Vasco campeão em 1950, eu tinha dez anos de idade. Era Barbosa; Augusto e Wílson; Eli, Danilo e Jorge; Tesourinha, Maneca, Ademir, Ipojucan e Djair. Era a base da Seleção Brasileira. O técnico era Flávio Costa. Eu acompanhava só o futebol do Rio de Janeiro. Passei a ver jogos em Natal convidado por um amigo, chamado Washington Carneiro. Assisti ABC e América e passei a simpatizar pelo América Futebol Clube. Tinha muita gente boa, como Saquinho, Wallace e Gilvandro, um dos maiores pontas que eu já vi. Ele tinha o braço deslocado, com qualquer toque tinha que parar para colocar o braço no lugar. Também acompanhei a seleção do Rio Grande do Norte campeã do Nordeste em 1960. Depois de vencermos o Ceará, o time do então estado da Guanabara veio disputar a semifinal conosco. Perdemos a primeira e empatamos a segunda. Foi a nossa única derrota em toda a competição. Ganhamos de paraibanos, alagoanos, sergipanos e cearenses. Fui testemunha, nesta época, de um futebol maravilhoso. Depois desses primeiros jogos no Juvenal Lamartine apareceu o Machadão, o João Cláudio de Vasconcelos Machado, quando demos um salto altamente qualitativo.
ZONA SUL – Antes chamava-se Castelão.
HÉLIO – Exatamente: Humberto de Alencar Castelo Branco, o Castelão. Depois ganhou o nome de João Machado. Lá nós conseguimos dar saltos qualitativos maravilhosos.
ZONA SUL – Qual foi a sua primeira profissão?
HÉLIO – Sou funcionário público federal. Com 17 anos de idade entrei no SAPS (Serviço de Alimentação da Previdência Social), um órgão do Ministério do Trabalho que foi extinto pós-Revolução. Trabalhei em Parnamirim. Tínhamos um posto de subsistência, eu trabalhava lá.
ZONA SUL – Como foi seu ingresso no rádio?
HÉLIO – Parnamirim tinha um serviço de alto falantes, umas bocas de som na entrada da Base Aérea e no centro da cidade. Um dia, Nivaldo Xavier de Souza, que tomava conta, propôs que eu o ajudasse, como locutor. Topei trabalhar com ele.
ZONA SUL – O que você fazia?
HÉLIO – Anunciava as músicas e, quando aparecia, lia algum comercial. A cidade era embrionária, o comércio não tinha como anunciar. Então eu anunciava Anísio Silva, Carlos Galhardo, Nélson Gonçalves, Silvio Caldas, Orlando Silva...
ZONA SUL – Ouvir essa seleção de cantores brasileiros não fez com que você se interessasse pela música?
HÉLIO – Não. Eu era vidrado mesmo em futebol. Certo dia Nivaldo propôs transmitirmos futebol. Começamos eu, Adeodato José dos Reis, de saudosa memória, e João Leite - enfermeiro que tinha vindo de Santa Cruz para morar em Parnamirim. Transmitíamos os jogos do campeonato interno do município para o serviço interno de alto falantes. Parnamirim era pequena, talvez tivesse 15 mil habitantes nessa época. Certa vez, houve uma partida amistosa envolvendo um time de Natal. Roberval Pinheiro, que tomava conta do departamento esportivo da Rádio Cabugi, me ouviu narrando e perguntou se eu topava ir para a emissora. Estreei num jogo ABC e Alecrim. O América estava fora da primeira divisão para construir a sede. Quando terminei de narrar a partida, Roberval disse para eu passar na rádio no dia seguinte, para assinar o contrato. Já se vão 48 anos ininterruptos de transmissões esportivas. Recentemente, depois de três anos como comentarista da Globo, a 95 FM me chamou para voltar a narrar. Assinamos um contrato de dois anos.
ZONA SUL – Quem eram seus colegas nessa sua primeira experiência como narrador da Rádio Cabugi?
HÉLIO – O chefe da equipe era o Roberval Pinheiro, que era comentarista. Expedito Liberal Veras, o marinheiro, fazia reportagem de campo. Depois veio Zé Augusto, que foi para a imprensa cearense e morreu prematuramente. Foi um grande profissional do rádio. Da Cabugi fui para a Nordeste. Lá tinha Roberto Machado, Franklin Machado, Aluízio Menezes e Décio Câmara. Depois fui para a Rural. Trabalhei com Amauri, que foi um dos primeiros mesmo. Também formei uma boa equipe na Poti. Lá tinha um narrador amazonense, Luis Rougles, e os repórteres Zé Augusto e Laerte Marinho. Era uma dupla excelente. O plantão era José Lira, que hoje é da Globo. Trabalhou também comigo na Rádio Poti o Cassiano Arruda Câmara, que era comentarista. Quando saí, veio Cezar Rizzo, da Tupi do Rio. Voltei pra Cabugi.
ZONA SUL – Você nunca pensou em trabalhar fora do estado?
HÉLIO – Recebi convites. Paulino Rocha, por exemplo, me convidou para a Ceará Rádio Clube. Como eu tinha empregos em Natal, não fui. Pra eu me deslocar teria que ser o triplo do salário. Minha esposa também trabalhava em Natal. Eu já estava com os laços familiares estabelecidos, já tinha me casado. Casei com 30 anos, em1970. Gosto muito de Natal. Recebi um convite também para a Tupi do Rio de Janeiro, mas eu já tinha 46 anos de idade e não fui. Se eu tivesse 25, se fosse solteiro, eu teria ido. O Rio de Janeiro é fantástico. Conheço o Brasil de ponta a ponta, graças ao futebol.
ZONA SUL – O Rio de Janeiro é um pólo irradiador de cultura. Se você tivesse ido, certamente teria desbancado muita gente.
HÉLIO – Se o convite tivesse sido feito mais cedo, eu teria ido.
ZONA SUL – Ultrapassando a fronteira potiguar você também é conhecido no meio esportivo?
HÉLIO – No Ceará, quase todo mundo me conhece. Em Pernambuco é um pouco menos. Cheguei a receber emails do Rio e de São Paulo elogiando o trabalho na Rádio Globo.
ZONA SUL – Por falar nisso, a 95, diferente da Globo, ainda não está disponibilizando sua programação na Internet...
HÉLIO – Vamos entrar na Internet, mas antes estamos mudando de sede. Saindo do Praia Shopping para a Hermes da Fonseca, perto da padaria São Paulo. A casa está sendo remodelada. A rádio também comprou um transmissor de 25 quilos. Hoje a mais potente de Natal é a 98, com 20 quilos. Outro aparelho fantástico que a emissora comprou foi um tie line, pra transmissões via satélite. Mede mais ou menos 40 centímetros e possui uma antena. Você não precisa nem pedir linha a Embratel. Fala de qualquer lugar do mundo via satélite.
ZONA SUL – Nessas suas viagens pelo país levando para o ouvinte potiguar a saga das nossas equipes além-fronteira você testemunhou muitas histórias interessantes?
HÉLIO – Sim. Em 1973, o América perdeu, de virada, para o Bahia, em Salvador. Evaristo de Macedo era o técnico do tricolor de aço. Terminado o jogo, o América se dirigiu para o vestiário. Mas alguém tinha trancado a porta de acesso. A torcida partiu pra cima dos jogadores. Precisou Roberto Rebouças, quarto-zagueiro, dar um grito: “negativo, negativo!”. Ele saltou com os dois pés e derrubou a porta do vestiário para o time do América poder entrar e escapar da torcida. Mesmo vencendo o jogo, a torcida do Bahia queria agredir. Foi um espetáculo que eu não gostaria de ter visto. O futebol profissional tem que ser respeitado. Mas a emoção sobrepuja a razão, isso os senhores não tenham a menor dúvida.
ZONA SUL – E conquistas épicas do futebol potiguar além-fronteira?
HÉLIO – Tivemos grandes vitórias, mas títulos, lá fora, não. Uma das mais expressivas foi a vitória do América sobre o Vasco da Gama, em São Januário. Outra foi sobre o Fluminense, em 1997, quando o América voltou à primeira divisão e goleou, nas Laranjeiras, por 4 a 2. O América também ganhou duas vezes do Guarani, em Campinas, e venceu o Coritiba, no Belfort Duarte. Isso foi em 74. O time coxa-branca tinha Krüger, Zé Roberto, Aladim e Jairo, que tinha quase dois metros de altura. Yustrich, o treinador, foi demitido após a partida. O gol foi de João Daniel. O ABC também teve bons resultados lá fora. Venceu o Fluminense no Maracanã. Uma conquista memorável em Natal foi a vitória do América sobre o Vitória da Bahia, que rendeu o título de Campeão do Nordeste de 1998. O Vitória tinha Petkovic, Donizete Amorim, Fábio Bilica e era treinado por Hélio dos Anjos. A cúpula da CBF veio a Natal com a intenção de entregar o troféu à diretoria do Vitória. O América tinha um bom time. Carioca, Moura, Biro-Biro, Paulinho Kobayashi...
ZONA SUL – A campanha de 1996, que levou o América à Série A no ano seguinte, também pode ser considerada um feito.
HÉLIO – O jogo do América contra o União São João de Araras, no Machadão, foi memorável. O gol de Carlos Mota aos 45 minutos do segundo tempo confirma o que Nélson Rodrigues dizia quando falava no Sobrenatural de Almeida. O jogo estava 1 a 1 e o Náutico era interessado direto no placar: se classificaria com o empate. Biro-Biro cobrou o escanteio da ponta direita do gol que dá para a pista que liga Natal a Parnamirim, a Salgado Filho. O goleiro Adnam tinha dois metros de altura. Carlos Mota roçou levemente com a cabeça, no primeiro pau. A bola subiu, o goleiro saiu e foi encoberto. No outro dia notei que os dois zagueiros do União São João estavam sobre a linha quando a bola bateu no chão e pegou um efeito contrário: foi pra dentro do gol e entrou. Desenvolveu um efeito. A Rádio Cabugi estava em cadeia com uma emissora de Recife. Os caras foram a loucura quando eu disse: “aí Pernambuco, ganhamos a vaga!” Eles não me perdoam até hoje. Lá na cabina de onde eu transmitia, quando o gol saiu eu vi atrás de mim, ajoelhados, Zé Maria - que era o presidente rubro na época - e mais uns dois ou três dirigentes.
ZONA SUL – Na arquibancada a cena era a mesma: tinha muita gente ajoelha, depois do gol.
HÉLIO – Foi um momento inesquecível. Não era fácil um clube do Rio Grande do Norte conseguir aquela vaga. Às vezes colegas da crônica combatem nossos dirigentes, mas eles são milagrosos ou milagreiros, porque o futebol do estado é feito sem investimento. Se um potiguar consegue ir para a primeira divisão, vai enfrentar 19 clubes com melhores condições, com patrocínio de 5, 6 milhões. Qual o patrocinador de América e ABC? É patrocinador de 50 mil reais. Em 1997 o América fez milagre e só perdeu um jogo em casa. O clube conseguiu resultados fantásticos porque tinha um ótimo time: Emerson (Grêmio), Dinho (Cruzeiro), Marcelo Fernandes (Santos) Cabo Gito (Vale Verde do Ceará-Mirim) e Denis (Palmeiras). Meio campo era Moisés (menino do Madureira), Carioca, Moura e Biro-Biro. O ataque tinha dois juvenis do Vasco, Richardson e Gian. A derrota para o São Paulo ocorreu depois que o juiz expulsou Marcelo Fernandes. Estava 1 a 1. O time do São Paulo era espetacular. Ganhamos ou empatamos com todos os outros. Com o Corinthians foi 1 a 1. Gito bateu uma falta, pegou na mão do goleiro, não sei onde mais, ricocheteou e caiu dentro do gol. Esse gol de empate levou a galera foi a loucura. O americano atingiu orgasmos futebolísticos, ficou pasmado.
ZONA SUL – Houve uma ocasião, em 1975, que o América estava derrotando o São Paulo, no então Castelão, por 3 a 1. Faltavam 15 minutos quando o time paulista virou para 4 a 3.
HÉLIO – O São Paulo tinha Chicão, Serginho Chulapa, Murici, Nelsinho Batista, Pedro Rocha, Arlindo, Terto e Waldir Peres. O América estava jogando com seu terceiro goleiro, Sombra, pois o titular e o reserva imediato, Ubirajara e Otávio, não puderam jogar. Ivanildo fez um golaço em Waldir Peres, de bola parada. Quando o juiz apitou, ele bateu na bola e Waldir só olhou. Ela entrou no ângulo. O goleiro nem mexeu.
ZONA SUL – Mas, voltemos ao assunto dirigentes. Quando América subiu para a série A pela última vez, o ex-presidente Jussier Santos deu entrevistas opinando que o lugar do América não era a primeira, mas sim a segunda divisão. Você concorda?
HÉLIO – Fiz comentários totalmente contrários a esse pensamento. Se já tivemos na primeira divisão em épocas mais difíceis, por que não agora? Mostramos, em 1997, que é possível. Mas reconheço que não é fácil para um time nordestino. Esse ano, só um milagre vai evitar que pelo menos um time pernambucano não caia. O Sport, que tem uma renda pelo menos dez vezes superior a do América, está ameaçado. O Náutico também enfrenta uma situação difícil. O América, quando esteve na primeira, recebeu uma cota de R$ 3 milhões, enquanto os outros recebiam 10 milhões. É uma injustiça. Vamos dar um salto altamente qualificado com a construção desta arena fantástica.
ZONA SUL – Você acha um bom negócio para o estado a construção desse novo estádio para a Copa do Mundo?
HÉLIO – Acho fantástico. Vai ficar na mão da iniciativa privada por um período de 20 e poucos anos, depois volta para o poder público. A empresa só vai poder cobrar de taxas o mesmo valor que a Fenat cobra. Em compensação poderá alugar o estádio para jogos internacionais, para a Copa América. Natal vai dar um salto. O mundo inteiro ouviu falar da cidade por causa da guerra. Agora vai poder olhar o nosso progresso.
ZONA SUL – Natal deverá ter problemas com o trânsito, que hoje está muito complicado, sobretudo nos horários de rush.
HÉLIO – Vão criar alguma alternativa. Ouvi falar na construção de duas vias de acesso para que o torcedor já chegue em cima do estádio. Não sei como vão fazer. Dois anos antes, como aconteceu na África, vai haver a Copa das Confederações. Quem acabar o estádio primeiro terá direito a dois jogos do torneio. Por isso, a prefeita Micarla e a governadora Wilma vão acabar o estádio em 2012. A Arena das Dunas será concluída logo, depois virão os centros administrativos do estado e do município, junto com o estacionamento para 7 mil automóveis e a lagoa artificial. A estimativa é que sejam gerados 35 mil novos empregos.
ZONA SUL – Com certeza você está contando os dias que faltam para trabalhar nessa cobertura.
HÉLIO – É. Com a graça de Deus estaremos lá, como testemunhas oculares da história de Natal. ZONA SUL – Você fez coberturas fora do Brasil?
HÉLIO – Não. Só em território brasileiro.
ZONA SUL – Não ficou essa frustração de nunca ter coberto, por exemplo, uma Copa do Mundo?
HÉLIO – Gostaria de ter coberto um Mundial. Um amigo, Marco Antonio, foi. Mas não para transmitir. Foi gravar entrevistas. Pra transmitir, o gasto é caríssimo.
ZONA SUL – Você teria condições de escalar uma seleção com os melhores jogadores que você viu atuarem no futebol potiguar?
HÉLIO – Vamos tentar armá-la. Tivemos grandes goleiros: Hélio Show, do ABC; Rafael, do América, que foi do Internacional de Porto Alegre, também foi um goleirão. Escolho Rafael. Zagueiro lateral direito: Ivan Silva, do América. Zagueiro central: Scala. Ele foi o maior zagueiro que eu vi. Me impressionou mais até do que Figueroa, que foi um grande zagueiro. Figueroa teve mais prestígio. Scala só não foi para a copa de 70 porque doutor Lídio Toledo botou uma bota gessada na perna dele e o tirou. Ele veio para o América com 32 anos e jogou um ano de forma espetacular. Luis Carlos Scala, Deus o levou, mas ele era fantástico. Jogava com muita elegância. Quarto-zagueiro tinha Djalma, do América, e Cláudio Oliveira, do ABC, que era brasiliense. Fico com Cláudio, embora Djalma tenha se projetado mais, jogou no Corinthians, no Sport... O melhor lateral esquerdo foi Marinho Chagas, embora tenha jogado por pouco tempo no futebol potiguar. Era extraordinário. Jogou no América Futebol Clube. O melhor volante foi Juca Show. Jogou no Náutico e no América Mineiro. Formou um dos maiores meio de campos do futebol brasileiro com Pedro Omar, o califa que foi do Flamengo, e Spencer, o uruguaio. O América mineiro passou vinte jogos sem perder, incluindo amistosos. Juca Show jogou aqui no ABC e no América. Outro meio de campo espetacular foi Maranhão, do ABC. As outras duas vagas ficariam com Alberi e Danilo Menezes, dois abecedistas, embora tenha também o Garcia, do América. Lá na frente eu escalaria Hélcio Jacaré e Saquinho, ambos do América. Mas não posso deixar de citar outros cracaços da bola como Silva e Marinho Apolônio. É difícil montar uma seleção potiguar só com onze jogadores. Outro extraordinário jogador que merece um lugar nesse time é o Souza. Nessa segunda subida do América para a Série A ele foi preponderante. Gerson e Rivellino eram loucos por ele.
ZONA SUL – E o melhor treinador?
HÉLIO – O maior técnico do Rio Grande do Norte foi Ferdinando Teixeira. Ele foi campeão no ABC, no América e no Alecrim. Foi campeão em Alagoas. Levou o América para a primeira divisão em um campeonato dos mais difíceis. Ele realmente é o melhor.
ZONA SUL – E se você fosse escalar uma equipe dos sonhos do rádio potiguar, misturando as gerações?
HÉLIO – Alguns já se foram, como Marco Antonio. Ele trabalhou comigo, foi um companheiro fantástico, era um grande narrador. Gremista e abecedista, com a bola rolando sabia empolgar as multidões. O comentarista esportivo seria Rubens Lemos. Na reportagem, José Augusto e Souza Silva. No plantão esportivo, José Joaquim da Lira. Eu o chamo de português.
ZONA SUL – Você se espelhou em alguém no começo de sua carreira?
HÉLIO – Como eu era muito apegado ao futebol carioca, ouvia muito um locutor da Tupi do Rio de Janeiro. Nas primeiras pegadas como locutor, me mirei nele. Porém, nas prateleiras da memória não consigo achar seu nome agora. Quando vi que não se adequava ao estilo nordestino, criei meu próprio estilo.
ZONA SUL – Durante algum tempo se comentou a possibilidade de você treinar o América. Como foi essa história?
HÉLIO – Marcelo Dieb era diretor do departamento de futebol do América. Jussier Santos era o presidente. Foi em 1984. Dieb me convidou para treinar a equipe durante o brasileiro da terceira divisão. Lembrei que outros profissionais do rádio como Washington Rodrigues e João Saldanha tinham experimentado a profissão de treinador. Topei, mas exigi a contratação de quatro jogadores e indiquei os nomes. Também falei que se em dois meses a coisa não fluísse, eu pediria pra sair. Como o América não tinha dinheiro para contratar as contratações que eu pedi, sugeri que eles convidassem Baltasar Germano. Ele topou e levou o time para a Série B. Depois Ferdinando levou o América para a A. Baltasar estava deixando de jogar e tinha serviços prestados ao América e ao Rio Grande do Norte. Eu achava que daria certo, e deu. Ele comandou o mesmo grupo disponível que ia pra mim.
ZONA SUL – E os apelidos que você escolhe para os jogadores? Por exemplo, lembro do “Pastor” Odélio, do próprio Baltasar, que era o “Conde Drácula”, de Noé “Macunaíma” e Sandoval, o “Touro Miúra”...
HÉLIO – O futebol carrega uma carga de adrenalina muito grande, o apelido eu invento na hora, observando. É assim surge. Outro apelido que pegou foi o do Carioca, o “Boca Negra”, que é o índio chefe de uma tribo no Rio de Janeiro. Tinha até uma música. “Boca Negra deixou a maloca / Saiu da toca / Foi pro Rio passear / Chegou, olhou, provou, mas não gostou / Seu carioca pra maloca eu vou voltar”. Eu soube que Carioca disse: “Hélio Câmara me chamou de Boca Negra e os caras tão perguntando se eu tenho algum problema na boca, alguma cárie”. Eu expliquei que não era isso, que Boca Negra era um chefe indígena.
ZONA SUL – Em outra época você passou a narrar determinados lances da partida como se fosse uma luta de boxe: “no baço, no fígado...”
HÉLIO – Foi. Levei o boxe para a transmissão do futebol. Quando o time levava uma na trave, estava sendo pressionado, eu comparava a um lutador indo para as cordas, prestes a ser nocauteado. Rins, fígado, baço... O cara abre a ponta do queixo e está prestes a sofrer o nocaute. Tirava um pouco do sério. O cara relaxava. Tem cara que quer dar uma risada durante a partida.
ZONA SUL – Cite um grande dirigente e um grande árbitro potiguar.
HÉLIO – Tivemos José Prudêncio Sobrinho, que dedicou-se inteiramente ao ABC Futebol Clube. Tinha loja de baterias, representava a marca Saturno. Gosto também do Eduardo Rocha. Zé Maria foi presidente um ano do América. Ninguém queria, ele pegou e levou o time para a Primeira Divisão. Tivemos bons árbitros, principalmente no Juvenal Lamartine. Gostava de César Virgílio, era bom. Tivemos também Luiz Meireles. Hoje encontramos um pouco de dificuldade para revelar um grande árbitro.
ZONA SUL – Você tem algum arrependimento? Alteraria algo na sua vida se lhe fosse dada essa possibilidade?
HÉLIO – A pessoa tem que ter a antevisão de que as vitórias não poderão ser ininterruptas. Hoje você pode ser o grande ganhador e amanhã o perdedor. Precisa ter capacidade assimilativa para as derrotas. O torcedor brasileiro não aprendeu ainda. Em 1950, eu tinha dez anos, crucificaram Bigode e Barbosa. O Brasil tinha uma grande equipe, mas o Uruguai também era um grande time. Máspoli foi um dos maiores goleiros do mundo, Rodrigues Andrade um dos maiores laterais esquerdos. A linha deles era espetacular. Gigghia, que depois foi pra Itália, Julio Pérez, um magrinho que jogava uma barbaridade, e Schiafino. Perdemos pra esse time.
ZONA SUL – Você mantém em arquivo suas gravações? Tem ideia de quantos gols narrou?
HÉLIO – Luth Lopes gravou pra mim todas as narrações que fiz na Globo/Cabugi. Não tenho nem ideia de quantos gols já narrei. Com certeza foram muito mais de mil gols, já que estou no rádio desde 1962 pra cá. O mais emocionante foi um de Zé Ivaldo, de pé canhoto, em Natal. O América venceu o Náutico por 1 a 0. Givanildo era o treinador do Náutico. Também gostei muito de um gol de Ivanildo, de falta, contra o São Paulo. Waldir Peres nem se mexeu. Foi um primor. E aquele gol, na emoção, contra o União São João de Araras. Um gol espírita. Narrei muitos grandes gols ao longo do tempo. Hélcio Jacaré fez um depois de driblar bem uns seis. Bateu com o pé canhoto. Ele estava jogando pela seleção de veteranos potiguar que enfrentava uma seleção brasileira de veteranos.
ZONA SUL – Deixe um recado pro torcedor potiguar.
HÉLIO – Prestigie o futebol do Rio Grande do Norte. O direito à crítica é sagrado, mas é preciso entender que não é fácil competir com os grandes times do futebol brasileiro. A disputa é injusta. Quando um time potiguar entra em um campeonato contra os chamados times grandes, já leva desvantagem na divisão do bolo da transmissão televisiva. Enquanto Vasco, Flamengo, Corinthians e São Paulo, por exemplo, ficam com as mais gordas fatias, para os times do Nordeste sobram apenas as migalhas. Por isso, cada vez mãos o futebol potiguar depende do apoio de todos nós.
HÉLIO – Hélio Câmara de Castro. Nasci em Rio do Fogo. Na época pertencia ao município de Touros, depois veio para Barra de Maxaranguape. Hoje Rio do Fogo é dos mais jovens e prósperos municípios do Rio Grande do Norte. Saí de lá com apenas um ano de idade, vim morar em Parnamirim, a cidade “Trampolim da Vitória”. Cheguei em 1941, época da guerra. Nasci em Rio do Fogo, mas minha infância, adolescência, juventude e começo de fase adulta, passei toda ela em Parnamirim.
ZONA SUL – Algumas vezes você volta a Rio do Fogo para manter ligações com a cidade natal?
HÉLIO – Pouquíssimas vezes. Parnamirim é hoje a minha terra. Vou a Rio do Fogo mais por curiosidade. Estive lá há mais ou menos um ano. Notei que houve um certo progresso, uma evolução. Comecei os estudos no Grupo Escolar Presidente Roosevelt, construído pelo então governador Silvio Piza Pedrosa. De lá fui para o Atheneu Norte-Rio-Grandense. Estudava em Natal e morava em Parnamirim. Morei 29 anos ininterruptos em Parnamirim.
ZONA SUL – Não era complicado morar em Parnamirim e estudar em Natal?
HÉLIO – A Base Aérea de Natal fornecia um transporte. Quando o serviço era interrompido, vínhamos nos ônibus da linha que ligava Parnamirim a Natal.
ZONA SUL – Como foi sua infância em Parnamirim?
HÉLIO – Gostosíssima. O que eu mais gostava era do futebol. Estudante ainda, joguei inscrito na Federação pelo Potiguar de Parnamirim. Eu era quarto-zagueiro naquele famoso 4-2-4. Joguei ao lado de Veter, de Hugo, um dos maiores volantes que eu já vi... Fundamos o Clube Paroquial, que pertencia à Igreja. O padre de Parnamirim, na época, era João Correia de Aquino. Ele também era capelão da Base Aérea de Natal. O encontrei há uns três anos, em Natal, com 80 e tantos anos. Estava magrinho. Era uma figura muito simpática. Criamos - eu, José Fernandes de Oliveira, que hoje é advogado, e Ladinho, um rapaz que era militar da Aeronáutica e economista em Brasília - o Clube Paroquial e também a Liga Esportiva Municipal de Parnamirim (Lemp). Parece que foi a terceira liga do Rio Grande do Norte. Depois nos filiamos à primeira divisão de profissionais, com o Potiguar. Antes do Potiguar o Asa, um time de militares da Base Aérea, militou na primeira divisão. Foram os anos dos primeiros passos para o profissionalismo.
ZONA SUL – Você era um quarto-zagueiro clássico, tratava a bola com categoria, ou era aquele beque de fazenda que dava chutão pra todo lado e arrepiava as canelas dos atacantes adversários?
HÉLIO – Nunca fui um excepcional jogador, mas, vamos dizer assim, apenas um zagueiro de porte médio, jogando um feijão com arroz. Apenas marcava, não tinha aquela história de atacar. Hoje é diferente. Os zagueiros imitaram Luís Pereira, que era da Sociedade Esportiva Palmeiras, foi do Atlético de Madri da Espanha e da Seleção Brasileira de 1974, na Alemanha. Desde garoto eu acompanho futebol, apesar das dificuldades daquela época. Ouvia a Rádio Nacional, do Rio, mas a onda vinha e fugia. Você estava ouvindo o jogo, o som sumia, para voltar um minutinho depois. Com a chegada da Embratel, melhorou. Hoje é tranqüilo, não tem problema nenhum.
ZONA SUL – A transmissão da Rádio Nacional a qual você se referiu que o som sumia, ela era feita através de ondas curtas?
HÉLIO – Exatamente. Acompanhei muito o futebol carioca, sou vascaíno, mas vascaíno mesmo! Lembro do Vasco campeão em 1950, eu tinha dez anos de idade. Era Barbosa; Augusto e Wílson; Eli, Danilo e Jorge; Tesourinha, Maneca, Ademir, Ipojucan e Djair. Era a base da Seleção Brasileira. O técnico era Flávio Costa. Eu acompanhava só o futebol do Rio de Janeiro. Passei a ver jogos em Natal convidado por um amigo, chamado Washington Carneiro. Assisti ABC e América e passei a simpatizar pelo América Futebol Clube. Tinha muita gente boa, como Saquinho, Wallace e Gilvandro, um dos maiores pontas que eu já vi. Ele tinha o braço deslocado, com qualquer toque tinha que parar para colocar o braço no lugar. Também acompanhei a seleção do Rio Grande do Norte campeã do Nordeste em 1960. Depois de vencermos o Ceará, o time do então estado da Guanabara veio disputar a semifinal conosco. Perdemos a primeira e empatamos a segunda. Foi a nossa única derrota em toda a competição. Ganhamos de paraibanos, alagoanos, sergipanos e cearenses. Fui testemunha, nesta época, de um futebol maravilhoso. Depois desses primeiros jogos no Juvenal Lamartine apareceu o Machadão, o João Cláudio de Vasconcelos Machado, quando demos um salto altamente qualitativo.
ZONA SUL – Antes chamava-se Castelão.
HÉLIO – Exatamente: Humberto de Alencar Castelo Branco, o Castelão. Depois ganhou o nome de João Machado. Lá nós conseguimos dar saltos qualitativos maravilhosos.
ZONA SUL – Qual foi a sua primeira profissão?
HÉLIO – Sou funcionário público federal. Com 17 anos de idade entrei no SAPS (Serviço de Alimentação da Previdência Social), um órgão do Ministério do Trabalho que foi extinto pós-Revolução. Trabalhei em Parnamirim. Tínhamos um posto de subsistência, eu trabalhava lá.
ZONA SUL – Como foi seu ingresso no rádio?
HÉLIO – Parnamirim tinha um serviço de alto falantes, umas bocas de som na entrada da Base Aérea e no centro da cidade. Um dia, Nivaldo Xavier de Souza, que tomava conta, propôs que eu o ajudasse, como locutor. Topei trabalhar com ele.
ZONA SUL – O que você fazia?
HÉLIO – Anunciava as músicas e, quando aparecia, lia algum comercial. A cidade era embrionária, o comércio não tinha como anunciar. Então eu anunciava Anísio Silva, Carlos Galhardo, Nélson Gonçalves, Silvio Caldas, Orlando Silva...
ZONA SUL – Ouvir essa seleção de cantores brasileiros não fez com que você se interessasse pela música?
HÉLIO – Não. Eu era vidrado mesmo em futebol. Certo dia Nivaldo propôs transmitirmos futebol. Começamos eu, Adeodato José dos Reis, de saudosa memória, e João Leite - enfermeiro que tinha vindo de Santa Cruz para morar em Parnamirim. Transmitíamos os jogos do campeonato interno do município para o serviço interno de alto falantes. Parnamirim era pequena, talvez tivesse 15 mil habitantes nessa época. Certa vez, houve uma partida amistosa envolvendo um time de Natal. Roberval Pinheiro, que tomava conta do departamento esportivo da Rádio Cabugi, me ouviu narrando e perguntou se eu topava ir para a emissora. Estreei num jogo ABC e Alecrim. O América estava fora da primeira divisão para construir a sede. Quando terminei de narrar a partida, Roberval disse para eu passar na rádio no dia seguinte, para assinar o contrato. Já se vão 48 anos ininterruptos de transmissões esportivas. Recentemente, depois de três anos como comentarista da Globo, a 95 FM me chamou para voltar a narrar. Assinamos um contrato de dois anos.
ZONA SUL – Quem eram seus colegas nessa sua primeira experiência como narrador da Rádio Cabugi?
HÉLIO – O chefe da equipe era o Roberval Pinheiro, que era comentarista. Expedito Liberal Veras, o marinheiro, fazia reportagem de campo. Depois veio Zé Augusto, que foi para a imprensa cearense e morreu prematuramente. Foi um grande profissional do rádio. Da Cabugi fui para a Nordeste. Lá tinha Roberto Machado, Franklin Machado, Aluízio Menezes e Décio Câmara. Depois fui para a Rural. Trabalhei com Amauri, que foi um dos primeiros mesmo. Também formei uma boa equipe na Poti. Lá tinha um narrador amazonense, Luis Rougles, e os repórteres Zé Augusto e Laerte Marinho. Era uma dupla excelente. O plantão era José Lira, que hoje é da Globo. Trabalhou também comigo na Rádio Poti o Cassiano Arruda Câmara, que era comentarista. Quando saí, veio Cezar Rizzo, da Tupi do Rio. Voltei pra Cabugi.
ZONA SUL – Você nunca pensou em trabalhar fora do estado?
HÉLIO – Recebi convites. Paulino Rocha, por exemplo, me convidou para a Ceará Rádio Clube. Como eu tinha empregos em Natal, não fui. Pra eu me deslocar teria que ser o triplo do salário. Minha esposa também trabalhava em Natal. Eu já estava com os laços familiares estabelecidos, já tinha me casado. Casei com 30 anos, em1970. Gosto muito de Natal. Recebi um convite também para a Tupi do Rio de Janeiro, mas eu já tinha 46 anos de idade e não fui. Se eu tivesse 25, se fosse solteiro, eu teria ido. O Rio de Janeiro é fantástico. Conheço o Brasil de ponta a ponta, graças ao futebol.
ZONA SUL – O Rio de Janeiro é um pólo irradiador de cultura. Se você tivesse ido, certamente teria desbancado muita gente.
HÉLIO – Se o convite tivesse sido feito mais cedo, eu teria ido.
ZONA SUL – Ultrapassando a fronteira potiguar você também é conhecido no meio esportivo?
HÉLIO – No Ceará, quase todo mundo me conhece. Em Pernambuco é um pouco menos. Cheguei a receber emails do Rio e de São Paulo elogiando o trabalho na Rádio Globo.
ZONA SUL – Por falar nisso, a 95, diferente da Globo, ainda não está disponibilizando sua programação na Internet...
HÉLIO – Vamos entrar na Internet, mas antes estamos mudando de sede. Saindo do Praia Shopping para a Hermes da Fonseca, perto da padaria São Paulo. A casa está sendo remodelada. A rádio também comprou um transmissor de 25 quilos. Hoje a mais potente de Natal é a 98, com 20 quilos. Outro aparelho fantástico que a emissora comprou foi um tie line, pra transmissões via satélite. Mede mais ou menos 40 centímetros e possui uma antena. Você não precisa nem pedir linha a Embratel. Fala de qualquer lugar do mundo via satélite.
ZONA SUL – Nessas suas viagens pelo país levando para o ouvinte potiguar a saga das nossas equipes além-fronteira você testemunhou muitas histórias interessantes?
HÉLIO – Sim. Em 1973, o América perdeu, de virada, para o Bahia, em Salvador. Evaristo de Macedo era o técnico do tricolor de aço. Terminado o jogo, o América se dirigiu para o vestiário. Mas alguém tinha trancado a porta de acesso. A torcida partiu pra cima dos jogadores. Precisou Roberto Rebouças, quarto-zagueiro, dar um grito: “negativo, negativo!”. Ele saltou com os dois pés e derrubou a porta do vestiário para o time do América poder entrar e escapar da torcida. Mesmo vencendo o jogo, a torcida do Bahia queria agredir. Foi um espetáculo que eu não gostaria de ter visto. O futebol profissional tem que ser respeitado. Mas a emoção sobrepuja a razão, isso os senhores não tenham a menor dúvida.
ZONA SUL – E conquistas épicas do futebol potiguar além-fronteira?
HÉLIO – Tivemos grandes vitórias, mas títulos, lá fora, não. Uma das mais expressivas foi a vitória do América sobre o Vasco da Gama, em São Januário. Outra foi sobre o Fluminense, em 1997, quando o América voltou à primeira divisão e goleou, nas Laranjeiras, por 4 a 2. O América também ganhou duas vezes do Guarani, em Campinas, e venceu o Coritiba, no Belfort Duarte. Isso foi em 74. O time coxa-branca tinha Krüger, Zé Roberto, Aladim e Jairo, que tinha quase dois metros de altura. Yustrich, o treinador, foi demitido após a partida. O gol foi de João Daniel. O ABC também teve bons resultados lá fora. Venceu o Fluminense no Maracanã. Uma conquista memorável em Natal foi a vitória do América sobre o Vitória da Bahia, que rendeu o título de Campeão do Nordeste de 1998. O Vitória tinha Petkovic, Donizete Amorim, Fábio Bilica e era treinado por Hélio dos Anjos. A cúpula da CBF veio a Natal com a intenção de entregar o troféu à diretoria do Vitória. O América tinha um bom time. Carioca, Moura, Biro-Biro, Paulinho Kobayashi...
ZONA SUL – A campanha de 1996, que levou o América à Série A no ano seguinte, também pode ser considerada um feito.
HÉLIO – O jogo do América contra o União São João de Araras, no Machadão, foi memorável. O gol de Carlos Mota aos 45 minutos do segundo tempo confirma o que Nélson Rodrigues dizia quando falava no Sobrenatural de Almeida. O jogo estava 1 a 1 e o Náutico era interessado direto no placar: se classificaria com o empate. Biro-Biro cobrou o escanteio da ponta direita do gol que dá para a pista que liga Natal a Parnamirim, a Salgado Filho. O goleiro Adnam tinha dois metros de altura. Carlos Mota roçou levemente com a cabeça, no primeiro pau. A bola subiu, o goleiro saiu e foi encoberto. No outro dia notei que os dois zagueiros do União São João estavam sobre a linha quando a bola bateu no chão e pegou um efeito contrário: foi pra dentro do gol e entrou. Desenvolveu um efeito. A Rádio Cabugi estava em cadeia com uma emissora de Recife. Os caras foram a loucura quando eu disse: “aí Pernambuco, ganhamos a vaga!” Eles não me perdoam até hoje. Lá na cabina de onde eu transmitia, quando o gol saiu eu vi atrás de mim, ajoelhados, Zé Maria - que era o presidente rubro na época - e mais uns dois ou três dirigentes.
ZONA SUL – Na arquibancada a cena era a mesma: tinha muita gente ajoelha, depois do gol.
HÉLIO – Foi um momento inesquecível. Não era fácil um clube do Rio Grande do Norte conseguir aquela vaga. Às vezes colegas da crônica combatem nossos dirigentes, mas eles são milagrosos ou milagreiros, porque o futebol do estado é feito sem investimento. Se um potiguar consegue ir para a primeira divisão, vai enfrentar 19 clubes com melhores condições, com patrocínio de 5, 6 milhões. Qual o patrocinador de América e ABC? É patrocinador de 50 mil reais. Em 1997 o América fez milagre e só perdeu um jogo em casa. O clube conseguiu resultados fantásticos porque tinha um ótimo time: Emerson (Grêmio), Dinho (Cruzeiro), Marcelo Fernandes (Santos) Cabo Gito (Vale Verde do Ceará-Mirim) e Denis (Palmeiras). Meio campo era Moisés (menino do Madureira), Carioca, Moura e Biro-Biro. O ataque tinha dois juvenis do Vasco, Richardson e Gian. A derrota para o São Paulo ocorreu depois que o juiz expulsou Marcelo Fernandes. Estava 1 a 1. O time do São Paulo era espetacular. Ganhamos ou empatamos com todos os outros. Com o Corinthians foi 1 a 1. Gito bateu uma falta, pegou na mão do goleiro, não sei onde mais, ricocheteou e caiu dentro do gol. Esse gol de empate levou a galera foi a loucura. O americano atingiu orgasmos futebolísticos, ficou pasmado.
ZONA SUL – Houve uma ocasião, em 1975, que o América estava derrotando o São Paulo, no então Castelão, por 3 a 1. Faltavam 15 minutos quando o time paulista virou para 4 a 3.
HÉLIO – O São Paulo tinha Chicão, Serginho Chulapa, Murici, Nelsinho Batista, Pedro Rocha, Arlindo, Terto e Waldir Peres. O América estava jogando com seu terceiro goleiro, Sombra, pois o titular e o reserva imediato, Ubirajara e Otávio, não puderam jogar. Ivanildo fez um golaço em Waldir Peres, de bola parada. Quando o juiz apitou, ele bateu na bola e Waldir só olhou. Ela entrou no ângulo. O goleiro nem mexeu.
ZONA SUL – Mas, voltemos ao assunto dirigentes. Quando América subiu para a série A pela última vez, o ex-presidente Jussier Santos deu entrevistas opinando que o lugar do América não era a primeira, mas sim a segunda divisão. Você concorda?
HÉLIO – Fiz comentários totalmente contrários a esse pensamento. Se já tivemos na primeira divisão em épocas mais difíceis, por que não agora? Mostramos, em 1997, que é possível. Mas reconheço que não é fácil para um time nordestino. Esse ano, só um milagre vai evitar que pelo menos um time pernambucano não caia. O Sport, que tem uma renda pelo menos dez vezes superior a do América, está ameaçado. O Náutico também enfrenta uma situação difícil. O América, quando esteve na primeira, recebeu uma cota de R$ 3 milhões, enquanto os outros recebiam 10 milhões. É uma injustiça. Vamos dar um salto altamente qualificado com a construção desta arena fantástica.
ZONA SUL – Você acha um bom negócio para o estado a construção desse novo estádio para a Copa do Mundo?
HÉLIO – Acho fantástico. Vai ficar na mão da iniciativa privada por um período de 20 e poucos anos, depois volta para o poder público. A empresa só vai poder cobrar de taxas o mesmo valor que a Fenat cobra. Em compensação poderá alugar o estádio para jogos internacionais, para a Copa América. Natal vai dar um salto. O mundo inteiro ouviu falar da cidade por causa da guerra. Agora vai poder olhar o nosso progresso.
ZONA SUL – Natal deverá ter problemas com o trânsito, que hoje está muito complicado, sobretudo nos horários de rush.
HÉLIO – Vão criar alguma alternativa. Ouvi falar na construção de duas vias de acesso para que o torcedor já chegue em cima do estádio. Não sei como vão fazer. Dois anos antes, como aconteceu na África, vai haver a Copa das Confederações. Quem acabar o estádio primeiro terá direito a dois jogos do torneio. Por isso, a prefeita Micarla e a governadora Wilma vão acabar o estádio em 2012. A Arena das Dunas será concluída logo, depois virão os centros administrativos do estado e do município, junto com o estacionamento para 7 mil automóveis e a lagoa artificial. A estimativa é que sejam gerados 35 mil novos empregos.
ZONA SUL – Com certeza você está contando os dias que faltam para trabalhar nessa cobertura.
HÉLIO – É. Com a graça de Deus estaremos lá, como testemunhas oculares da história de Natal. ZONA SUL – Você fez coberturas fora do Brasil?
HÉLIO – Não. Só em território brasileiro.
ZONA SUL – Não ficou essa frustração de nunca ter coberto, por exemplo, uma Copa do Mundo?
HÉLIO – Gostaria de ter coberto um Mundial. Um amigo, Marco Antonio, foi. Mas não para transmitir. Foi gravar entrevistas. Pra transmitir, o gasto é caríssimo.
ZONA SUL – Você teria condições de escalar uma seleção com os melhores jogadores que você viu atuarem no futebol potiguar?
HÉLIO – Vamos tentar armá-la. Tivemos grandes goleiros: Hélio Show, do ABC; Rafael, do América, que foi do Internacional de Porto Alegre, também foi um goleirão. Escolho Rafael. Zagueiro lateral direito: Ivan Silva, do América. Zagueiro central: Scala. Ele foi o maior zagueiro que eu vi. Me impressionou mais até do que Figueroa, que foi um grande zagueiro. Figueroa teve mais prestígio. Scala só não foi para a copa de 70 porque doutor Lídio Toledo botou uma bota gessada na perna dele e o tirou. Ele veio para o América com 32 anos e jogou um ano de forma espetacular. Luis Carlos Scala, Deus o levou, mas ele era fantástico. Jogava com muita elegância. Quarto-zagueiro tinha Djalma, do América, e Cláudio Oliveira, do ABC, que era brasiliense. Fico com Cláudio, embora Djalma tenha se projetado mais, jogou no Corinthians, no Sport... O melhor lateral esquerdo foi Marinho Chagas, embora tenha jogado por pouco tempo no futebol potiguar. Era extraordinário. Jogou no América Futebol Clube. O melhor volante foi Juca Show. Jogou no Náutico e no América Mineiro. Formou um dos maiores meio de campos do futebol brasileiro com Pedro Omar, o califa que foi do Flamengo, e Spencer, o uruguaio. O América mineiro passou vinte jogos sem perder, incluindo amistosos. Juca Show jogou aqui no ABC e no América. Outro meio de campo espetacular foi Maranhão, do ABC. As outras duas vagas ficariam com Alberi e Danilo Menezes, dois abecedistas, embora tenha também o Garcia, do América. Lá na frente eu escalaria Hélcio Jacaré e Saquinho, ambos do América. Mas não posso deixar de citar outros cracaços da bola como Silva e Marinho Apolônio. É difícil montar uma seleção potiguar só com onze jogadores. Outro extraordinário jogador que merece um lugar nesse time é o Souza. Nessa segunda subida do América para a Série A ele foi preponderante. Gerson e Rivellino eram loucos por ele.
ZONA SUL – E o melhor treinador?
HÉLIO – O maior técnico do Rio Grande do Norte foi Ferdinando Teixeira. Ele foi campeão no ABC, no América e no Alecrim. Foi campeão em Alagoas. Levou o América para a primeira divisão em um campeonato dos mais difíceis. Ele realmente é o melhor.
ZONA SUL – E se você fosse escalar uma equipe dos sonhos do rádio potiguar, misturando as gerações?
HÉLIO – Alguns já se foram, como Marco Antonio. Ele trabalhou comigo, foi um companheiro fantástico, era um grande narrador. Gremista e abecedista, com a bola rolando sabia empolgar as multidões. O comentarista esportivo seria Rubens Lemos. Na reportagem, José Augusto e Souza Silva. No plantão esportivo, José Joaquim da Lira. Eu o chamo de português.
ZONA SUL – Você se espelhou em alguém no começo de sua carreira?
HÉLIO – Como eu era muito apegado ao futebol carioca, ouvia muito um locutor da Tupi do Rio de Janeiro. Nas primeiras pegadas como locutor, me mirei nele. Porém, nas prateleiras da memória não consigo achar seu nome agora. Quando vi que não se adequava ao estilo nordestino, criei meu próprio estilo.
ZONA SUL – Durante algum tempo se comentou a possibilidade de você treinar o América. Como foi essa história?
HÉLIO – Marcelo Dieb era diretor do departamento de futebol do América. Jussier Santos era o presidente. Foi em 1984. Dieb me convidou para treinar a equipe durante o brasileiro da terceira divisão. Lembrei que outros profissionais do rádio como Washington Rodrigues e João Saldanha tinham experimentado a profissão de treinador. Topei, mas exigi a contratação de quatro jogadores e indiquei os nomes. Também falei que se em dois meses a coisa não fluísse, eu pediria pra sair. Como o América não tinha dinheiro para contratar as contratações que eu pedi, sugeri que eles convidassem Baltasar Germano. Ele topou e levou o time para a Série B. Depois Ferdinando levou o América para a A. Baltasar estava deixando de jogar e tinha serviços prestados ao América e ao Rio Grande do Norte. Eu achava que daria certo, e deu. Ele comandou o mesmo grupo disponível que ia pra mim.
ZONA SUL – E os apelidos que você escolhe para os jogadores? Por exemplo, lembro do “Pastor” Odélio, do próprio Baltasar, que era o “Conde Drácula”, de Noé “Macunaíma” e Sandoval, o “Touro Miúra”...
HÉLIO – O futebol carrega uma carga de adrenalina muito grande, o apelido eu invento na hora, observando. É assim surge. Outro apelido que pegou foi o do Carioca, o “Boca Negra”, que é o índio chefe de uma tribo no Rio de Janeiro. Tinha até uma música. “Boca Negra deixou a maloca / Saiu da toca / Foi pro Rio passear / Chegou, olhou, provou, mas não gostou / Seu carioca pra maloca eu vou voltar”. Eu soube que Carioca disse: “Hélio Câmara me chamou de Boca Negra e os caras tão perguntando se eu tenho algum problema na boca, alguma cárie”. Eu expliquei que não era isso, que Boca Negra era um chefe indígena.
ZONA SUL – Em outra época você passou a narrar determinados lances da partida como se fosse uma luta de boxe: “no baço, no fígado...”
HÉLIO – Foi. Levei o boxe para a transmissão do futebol. Quando o time levava uma na trave, estava sendo pressionado, eu comparava a um lutador indo para as cordas, prestes a ser nocauteado. Rins, fígado, baço... O cara abre a ponta do queixo e está prestes a sofrer o nocaute. Tirava um pouco do sério. O cara relaxava. Tem cara que quer dar uma risada durante a partida.
ZONA SUL – Cite um grande dirigente e um grande árbitro potiguar.
HÉLIO – Tivemos José Prudêncio Sobrinho, que dedicou-se inteiramente ao ABC Futebol Clube. Tinha loja de baterias, representava a marca Saturno. Gosto também do Eduardo Rocha. Zé Maria foi presidente um ano do América. Ninguém queria, ele pegou e levou o time para a Primeira Divisão. Tivemos bons árbitros, principalmente no Juvenal Lamartine. Gostava de César Virgílio, era bom. Tivemos também Luiz Meireles. Hoje encontramos um pouco de dificuldade para revelar um grande árbitro.
ZONA SUL – Você tem algum arrependimento? Alteraria algo na sua vida se lhe fosse dada essa possibilidade?
HÉLIO – A pessoa tem que ter a antevisão de que as vitórias não poderão ser ininterruptas. Hoje você pode ser o grande ganhador e amanhã o perdedor. Precisa ter capacidade assimilativa para as derrotas. O torcedor brasileiro não aprendeu ainda. Em 1950, eu tinha dez anos, crucificaram Bigode e Barbosa. O Brasil tinha uma grande equipe, mas o Uruguai também era um grande time. Máspoli foi um dos maiores goleiros do mundo, Rodrigues Andrade um dos maiores laterais esquerdos. A linha deles era espetacular. Gigghia, que depois foi pra Itália, Julio Pérez, um magrinho que jogava uma barbaridade, e Schiafino. Perdemos pra esse time.
ZONA SUL – Você mantém em arquivo suas gravações? Tem ideia de quantos gols narrou?
HÉLIO – Luth Lopes gravou pra mim todas as narrações que fiz na Globo/Cabugi. Não tenho nem ideia de quantos gols já narrei. Com certeza foram muito mais de mil gols, já que estou no rádio desde 1962 pra cá. O mais emocionante foi um de Zé Ivaldo, de pé canhoto, em Natal. O América venceu o Náutico por 1 a 0. Givanildo era o treinador do Náutico. Também gostei muito de um gol de Ivanildo, de falta, contra o São Paulo. Waldir Peres nem se mexeu. Foi um primor. E aquele gol, na emoção, contra o União São João de Araras. Um gol espírita. Narrei muitos grandes gols ao longo do tempo. Hélcio Jacaré fez um depois de driblar bem uns seis. Bateu com o pé canhoto. Ele estava jogando pela seleção de veteranos potiguar que enfrentava uma seleção brasileira de veteranos.
ZONA SUL – Deixe um recado pro torcedor potiguar.
HÉLIO – Prestigie o futebol do Rio Grande do Norte. O direito à crítica é sagrado, mas é preciso entender que não é fácil competir com os grandes times do futebol brasileiro. A disputa é injusta. Quando um time potiguar entra em um campeonato contra os chamados times grandes, já leva desvantagem na divisão do bolo da transmissão televisiva. Enquanto Vasco, Flamengo, Corinthians e São Paulo, por exemplo, ficam com as mais gordas fatias, para os times do Nordeste sobram apenas as migalhas. Por isso, cada vez mãos o futebol potiguar depende do apoio de todos nós.
FONTE: http://zonasulnatal.blogspot.com/2009/09/entrevista-helio-camara.html
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